quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A autofagia da civilização


Os pigmeus, olham para o gigante, impregnados de terror. Assustados, não reflectem. Não se interrogam, porque deixaram correr o tempo, e perderam a capacidade de analisar os fenómenos do mundo que os insere. Pior. Deixaram aos outros o esforço de pensar, de prever. Só que não havia outros. Todos éramos nós. Não havia nós e os outros. Perderam, ou, naturalmente, nunca houve em muitos, e em número suficiente, o espírito de aprofundar as causas e as coisas.
Tal como o sangue circula no corpo e é necessário à vida, assim se pensou que a moeda, o dinheiro, seria o alimento que daria substância à sociedade instituída, ou, mais profundamente à actual civilização.
Sem regras devidamente estruturadas, sem ética e sem moral, sem finalidades sociais, as repúblicas, copiando-se sucessivamente, deixaram que grupos de usurários comandassem a economia, e que retirassem dos empréstimos um proveito superior ao aumento real da produção de bens.
Assim, não há volta a dar, e as dívidas (que nos deixam muitas dúvidas da forma como foram constituídas) não podem ser liquidadas.
Sem perceber a teia, por enganosas facilidades, como quem compra a prestações no presente e empenha o futuro, a Grécia, a Irlanda, a Islândia e Portugal, parecendo que a Espanha, a Bélgica, a Itália, são os países que se seguem, todos entraram no sistema financeiro que alimenta os espertos financiadores e coloniza os povos devedores. Mas virão muitos mais, porque o circo ou o cerco estão montados. Estes agentes financeiros criaram um clima de terror, que domina a política de cada país, que deles se tornou dependente.




A super-estrutura financeira, que se apossou da economia e que culminará com a derrocada desta civilização, é tentacular e universal, e os departamentos FMI, BCE e FEEF, são apenas apêndices dum polvo incontrolável.
Pode dizer-se, porque é verdade, que em muitos países, os seus governantes, mais realistas, honestos e competentes, não embarcaram nas situações dúbias
O estado calamitoso de crise que é vivida nalguns países, que não podemos ignorar, ainda que, no momento, explícita e aprofundadamente nos interesse Portugal, tem rendido e continua a render, a muita gente duvidosa, escandalosos proveitos.
O ser humano é falível, e quando a mediocridade comanda, os barcos têm mais probabilidades de naufragar.
Devemos relembrar que o canto da sereia só não hipnotizou Ulisses.

Joaquim Carreira Tapadinhas
(in “Crónicas da Lucidez – Novas Farpas”, Chiado Editora)

1 comentário:

  1. Grato por ter inserido este artigo no blogue. Escrito há anos, infelizmente, mantêm-se actual. Um abraço lusitano de gratidão.

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