terça-feira, 13 de maio de 2014

Do vinho e do bretão


Do vinho e do bretão

*Cristiane Lisita


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         Camillo Castello Branco na sua obra O vinho do Porto: Processo de uma bestialidade inglesa, de 1903, escreve que um bretão anônimo teria lavrado na Westminster Review  a condenação do vinho do Porto por “deletério e empeçonhado por acetato de chumbo e outros tóxicos anglicidas”.  Articula que o homem teria “rábidas violências do estilo” confundindo o tanino com as “aflições dos venenos metálicos”.  E entre lágrimas relembrava “o genuíno licor do Porto”  que “ irrigara a preciosa existência de grandes personagens da Grã-Bretanha, “famigerados absorventes do nosso vinho”,  lhes conservando  as faculdades mentais e musculatura rija “nos seus membros locomotores, já apreensores e o resto”. 

           Falar das qualidades do vinho é uma predominante do autor que ressalta que o referido indivíduo teria se encontrado “dispéptico, com azias, relaxes intestinais, eructações cloacinas e o crânio sempre flamejante como suja poncheira, com o encéfalo em combustão de conhaque e casquinha de limão--isto depois de saturações copiosas dos vinhos adulterados do Porto--_uma mixórdia negra_, diz ele aflito; mas não sabe decidir de pronto se a degeneração está na raça saxônica, se no vinho português. Pelo menos e provisoriamente considera-se envenenado, o bruto”.
             
        A tônica de Castello Branco se nos apresenta tão hodierna. Tal qual aquele que condenou o vinho, outro também bombardeou o povo português.  Mesmo na sua insensatez se lembra dos séculos passados, da glória, das vinhas florindo e se espargindo desde os xistos na Serra do Marão serpenteando pelo Douro.  O “incombustível estômago do bretão” suga tudo até o último gole: salários, pensões, empregos, dignidade.  Mas “nem podia ser culpado da bebedeira”, pois o vinho era, e continua tão bom.  Um legítimo Douro, provavelmente, “teria  salvo a vida do beberrão”.

        Como o vinho do Porto, conhecido por suas “incontaminadas tradições da probidade antiga” o cidadão lusitano resiste.  A sua lisura, como os avelhantados “negócios no Porto”, permanece acesa. Na sua façanha heroica, com a mesa tantas vezes vazia, ainda pode ouvir o tilintar das taças, dos cálices aferrados aos grilhões de honestidade, caráter, simplicidade. Um povo que sabe distinguir entre um autêntico vinho do Porto e a brutalidade e bestialidade de certos bretões. Conforme coloca Castello: “Que litros de Porto envenenado se calculam eficazes para degenerar um bretão até à dispepsia e às agonias da morte?”.


*Cristiane Lisita é jornalista, advogada, escritora.


Publicado no Diário de Notícias- (Portugal)   13 de maio de 2014.


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