quarta-feira, 11 de junho de 2014

Campeonato do mundo de matraquilhos a oito mãos





Ontem, muito a custo conseguimos lugares na carreira das cinco. O Homem tem amigos na rodoviária e como – distração minha – ainda tinha duas medalhas de mérito comercial no bolso, trocou-as por bilhetes.
 O autocarro vinha à pinha, todos a fugir, com medo que lhes surripiassem os búzios.
 Ficámos entremeados, o homem e eu, com uma rapariga generosa de volumes, que disse que na democracia – ideia vaga dela – os outros têm que ir a escrutínio. Ninguém percebeu, nem ela, mas como tinha que dizer alguma coisa, entre dois acepipes, foi o que lhe veio .
 Depois disso ele conseguiu dormir, eu não porque ela começou a comer ruidosamente pipocas com a boca escancarada.
 Lá se passou a viagem , ainda parámos para mais uma medalha – onde é que este homem foi arranjar tantas e boas! – senão um portageiro casmurro, algures num descampado perdido e triste,  não nos deixava seguir o rumo.
 Chegámos à aldeia tarde, ainda a tempo de uma canja preparada de véspera pela maria.
 Estamos finalmente de férias. Bem que as merecemos.
 Hoje ao nascer da aurora, o homem  sentou-se em frente da televisão, cachecol de croché ao pescoço, à espera da cerimónia de abertura do campeonato de matraquilhos, onde se esperam grandes glórias e descobrimentos.
 Pelo sim pelo não já mandámos fazer umas três dúzias de medalhas.
 Deixei-o no sofá, continua muito amarelento, sempre na eminência de se esvanecer, não vá alguém levantar-lhe a voz.
 Entretanto, é possível que haja vida fora das paredes do nosso apartamento, não sabemos, não desconfiamos que exista, porque o mundo – como dizia o outro – gira à volta da nossa cama, o resto são pesadelos indigestos.
 Amanhã , enquanto lhe mudam o tubo dos líquidos, vou à fábrica, é que eu não resisto ao brilho ofuscante das medalhas.
 Já me estou a ver no dia do regresso da nau: eu com o saco das medalhas na mão, ele, amarelento e hirto, no cais da ribeira, a recebermos os nossos heróis, que ultrapassadas , vencidas e conquistadas as taprobanas, novos mundos ao mundo acrescentaram, desta feita sob a forma esférica de uma bola com um logótipo estampado.

Depois disso vamos para a praia.

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