segunda-feira, 16 de junho de 2014

Continuamos a cuspir no chão

Na impotência, odiamos os outros – a causa dos nossos males em mau olhado -porque achamos que não merecemos, somos sempre prejudicados, esforçamo-nos e não conseguimos, tentamos, lutamos, levantamo-nos do chão no insucesso e continuamos a tentar, raios nos quebrem se não havemos de conseguir, mas não conseguimos porque é fado e o fado dá um enorme conforto espiritual.

Não!

Não merecemos porque fazemos pouco por merecer, desistimos na primeira contrariedade; não somos prejudicados, prejudicamo-nos em ficar de cabeça perdida; esforçamo-nos  muito pouco, sejamos sinceros!; tentamos uma vez e se não conseguimos desistimos a deitar culpa aos búzios; não nos levantamos do chão, é melhor ser coitadinho, pedir comiseração, que pormo-nos de novo a andar.

A seguir abre-se a porta ao milagre. Somos abençoados, a porta da epifania está sempre escancarada para nós. O que não realizamos , farão os astros por nós: a glória, o pedestal no olimpo, o reconhecimento do universo ao papel fundamental que desempenhamos neste planeta.

Não desempenhamos nenhum papel.

 Não há papéis fundamentais no universo.

 As leis das coisas  nunca as compreenderemos. Ainda bem.

Enquanto houver pessoas com setenta anos que surripiem consumíveis nos supermercados - e que dez tenham - e deitem os caroços, recatadamente para debaixo da prateleira antes de chegar à caixa; enquanto esta paródia de país parar para assistir a um masoquismo anunciado na imagem de uma bola; enquanto formos rezar ao senhor doutor no campo dos mártires da pátria, a pedir melhores dias porque somos boa gente; enquanto chorarmos de emoção pelo hino cantado por uma dúzia de miúdos que cresceram na orgia dos bens materiais só porque têm jeito no pé; enquanto não conseguirmos quebrar o ciclo do choro inconsequente e tolo  – e como isso está difícil – levantar a cabeça, mandar a superstição às ortigas,  desprezar como doença auto-imune o “boa gente, mas coitadinhos”, não vamos conseguir absolutamente nada.

Pode até ser esse o nosso desidério – o da pequenez em bicos de pé chato - mas já de si esta palavra soa muito mal, é feia, e prenuncia destino, que é um conceito amaricado para quem prefere o fatalismo à coragem de pôr um pé fora de casa e tentar andar.

Este texto veio-me à cabeça não pelo que vi hoje na televisão, que foi o reflexo do que alguns de nós, muitos, somos: apáticos, desistentes, fracos. Veio-me à cabeça por aquele espécime de neanderthalis que rouba comida no supermercado, come-a, e cospe para o chão.

É bem possível que usufrua do rendimento social de inserção, porque a sua esperteza, preguiça e indigência humana, lhe deu para viver toda a sua comezinha existência à minha custa, à minha, que me vejo aflito por pagar as minhas, as suas, e as contas dos animais que coabitam com ela, e para os quais levou uma grade de cerveja paga com dinheiro meu.

Isto é tão fraquinho!




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