sexta-feira, 6 de junho de 2014

É mais fácil envelhecer com os amigos

Temos quase todos a mesma idade e por isso, muita vida partilhada, muito caminho percorrido, muitas coisas em comum.
Já não nos contrariam quando afirmamos que estamos velhos.
Precisamos todos de óculos para ver ao perto, temos cabelos brancos que às vezes disfarçamos com tintas de cores que nunca foram as nossas, temos rugas que já não são de expressão, faltam-nos alguns dentes, doem-nos as articulações, esquecemo-nos muitas vezes do sitio onde guardámos o telemóvel, as chaves, a carteira, o livro que estávamos a ler, ou até mesmo os óculos para continuarmos a ler o livro. Não nos lembramos como se chamam os actores que fizeram aquele filme de que gostámos tanto e do qual também esquecemos o nome; repetimos as mesmas histórias e parece-nos sempre que é a primeira vez que as contamos; temos as mesmas memórias dum passado comum, e dói-nos a mesma saudade dos que já partiram.
Alguns têm filhos, outros já têm netos, outros sobrinhos netos, outros têm só amigos.
Gostamos de estar juntos, de promover encontros, quase sempre almoços ou jantares. Festejamos os aniversários de cada um e desejamo-nos saúde e “amigos também”.

Gostamos de ir em grupos, ao teatro e ao cinema, à praia ou passear pelas ruas.
Gostamos de falar de politica, das brincadeiras dos netos, das coisas do nosso mundo e do mundo dos outros; partilhamos as preocupações quanto ao futuro dos filhos, dos netos, quanto ao nosso futuro.
Embirramos muito uns com os outros mas também cultivamos o riso. Rimo-nos das pequenas coisas, rimos sem complexos, rimos, porque alguns de nós sabem fazer-nos rir. Rimos dos nossos esquecimentos, das falhas da nossa memória, rimo-nos de nós.
Em comum também temos o medo.
Medo dum futuro desconhecido. Que faremos do tempo que nos falta para viver? Que serão as nossas vidas? E se ficarmos doentes? E se perdermos a autonomia? Quem cuidará de nós? O que farão os nossos filhos? E quando um de nós partir?
Mudamos de conversa e dizemos que não vamos pensar mais naquilo, rimos, porque sabemos que o riso é a mais eficaz arma contra o medo, e afastamos a tristeza.
O nosso presente é agora.
É estarmos vivos e juntos.
O futuro é já amanhã, é um dia a seguir ao outro.

 
Luísa Ramos
(Público, 25-5-2014)

1 comentário:

Caro(a) leitor(a), o seu comentário é sempre muito bem-vindo, desde que o faça sem recorrer a insultos e/ou a ameaças. Não diga aos outros o que não gostaria que lhe dissessem. Faça comentários construtivos e merecedores de publicação. E não se esconda atrás do anonimato. Obrigado.

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.