domingo, 29 de junho de 2014

O não acordo ortográfico


O não acordo ortográfico (DN 29.06.2014)

A dada altura pareceu que ser “contra” o acordo ortográfico, era ser antiquado e ultrapassado, e vinha sempre o exemplo primoroso de há um século, de “farmácia” já não se escrever com “ph” inicial, o que era sinónimo de progresso.

E, à falta de mais argumentos para dar cabo da língua portuguesa, dizia-se que para além de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau (não confundir para já com Guine Equatorial! Ainda fala só francês, mesmo na CPLP), S. Tomé e Príncipe, o Brasil com quase 200 milhões de habitantes, e com a língua toda igual iria até, fazer crescer exponencialmente a nossa economia. Tudo uno e indivisível pelo acordo ortográfico.

E, vai daí, uma defesa imparável a escangalhar o mais rapidamente possível a língua portuguesa, dado tudo o resto já estar esfrangalhado, falada em Portugal a bem de tudo a falar igual, igualzinho.

Porém, depois de todo este nosso esforço titânico, o Brasil marimbou-se para o acordo ortográfico - como para muitos mais acordos, e Portugal é-lhe indiferente - e já não sabe se vai assinar e aceitar mudar, e nós oficialmente já o temos como nosso, mesmo a contragosto de tantos.

E, de facto para quem lê pouco e escreve apressadamente, é vantajoso ter a possibilidade de o fazer à sua maneira, dado que encaixa sempre no” acordo”.

Hoje, é fácil encolher-se palavras, abreviar outras, esticar ainda outras e cada um escreve como acha melhor lhe convir e acrescenta ao acordo. E é modernaço.

E, cada um aprova o seu mau português, os computadores já foram programados para em “word” nos colocar traços vermelhos nas palavras “antigas” e em desacordo, mesmo que o acordo nunca o venha a ser.

E, nem a economia melhorou com o acordo, nem as ligações ao Brasil ficaram mais intensas, nem alguém passou a ler um pouco mais supostamente por estar tudo tão igualizado, por baixo.

Assim, melhor será, assumirmos a verdade que é afinal não haver Acordo Ortográfico e não nos acharmos antiquados, ultrapassados, dinossauros se continuarmos a escrever bem o português, a ler mais e a bem nos entendermos sem quaisquer vergonhas, nem diminuirmo-nos, ainda mais.

Augusto Küttner de Magalhães
 (DN 29.06.2014)
 
 

2 comentários:

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