sábado, 20 de setembro de 2014

Desculpas


A recente vaga de pedidos de desculpa feitos por governantes incompetentes apanhou a opinião pública de surpresa. Paula Teixeira da Cruz e Nuno Crato encenaram actos de contrição nada convincentes e, assim, sacudiram a água dos capotes que os protegem das consequências que deveriam suportar pela sua falta de visão técnica e política.

O caso do ministro da educação é eloquente; depois de, mais uma vez, ter obrigado as escolas a abrir as portas sem os professores necessários ao seu bom funcionamento, deixando todos os que nelas trabalham à beira de um ataque de nervos, Nuno Crato pediu desculpas “aos pais, aos professores e ao país”. O ministro deixou de fora uma referência directa aos alunos, a esses não sentiu necessidade de se desculpar. Quererá isto significar que, na perspectiva do ministério e do seu máximo responsável, os alunos são actores dispensáveis ou, pelo menos, meros figurantes? Será porque, na sua esmagadora maioria, são cidadãos de menoridade e, como tal, não têm direito a voto, não sendo por isso urgente “passar-lhes a mão pelo pêlo”? Ou terá havido apenas um compreensível esquecimento numa situação caótica e aflitiva? Na verdade, vendo bem, quem aumenta o número de alunos por turma com o argumento de que isso contribui para melhorar as suas condições de aprendizagem, ou que, em situação de exame, tudo faz para que alunos com necessidades educativas especiais sejam tratados como se nada de especial se passasse, não parece morrer de amor pelos infantes.

Intriga-me que a paranóia avaliativa do ministro seja aplicada a todos, alunos e professores, com uma autoridade implacável, quase divina e que, quando se trata de avaliar o próprio trabalho, cuja qualidade assenta, sobretudo, na capacidade de liderança, haja esta benevolência beatífica, este redentor perdão de confessionário. O que justifica uma mão tão pesada para os outros e tão leve para o próprio? Não me atrevo a responder para não cair em juízos de valor errados mas a dúvida corrói a minha boa vontade.

Senhor ministro peça desculpas, também, aos alunos, vá lá! Peça-lhes desculpas por mais um início de ano lectivo destrambelhado, pela sua reiterada incapacidade de antecipar o óbvio e por tudo o resto, o senhor sabe bem. Pedir desculpas aos professores… sinceramente, senhor ministro: obrigadinhos, mas nós preferíamos primeiro competência e, depois, o tal rigor implacável. O senhor anda a trocar a ordem dos factores e a fórmula, quando aplicada, revela-se uma desgraça. A vida real é muito mais que teoria.

Carta enviada à Directora do jornal Público


1 comentário:

Caro(a) leitor(a), o seu comentário é sempre muito bem-vindo, desde que o faça sem recorrer a insultos e/ou a ameaças. Não diga aos outros o que não gostaria que lhe dissessem. Faça comentários construtivos e merecedores de publicação. E não se esconda atrás do anonimato. Obrigado.

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.