domingo, 2 de novembro de 2014

AS COISAS IMPORTANTES POR VEZES SÓ SE VEEM COM O CORAÇÃO






Ainda bem que o senhor La Feria convidou o senhor Passos para ir ao teatro. O senhor Passos só vai ao teatro do senhor La Feria, não gosta de mais nenhum. Não lhe pedem o bilhete à porta e os seguranças entram sem pagar. Só nesse teatro lhe dão um lugar na primeira fila. É o único teatro em que o autorizam a usar o telemóvel, enquanto os actores dão o seu melhor esperando que esteja de olhos e toda a sua atenção focada neles.

O senhor Passos mesmo quando vai ao teatro - e só a esse - consegue falar dessa experiência como se estivesse a fazer um discurso político. Mantêm-se fiel a si próprio e muito interessante.

Só indo ao teatro do senhor La Feria é que ficamos a saber que o senhor Passos já não pode dedicar algum tempo ao canto, de que tanto gostava, porque tem de usar todas as palavras para falar de coisas sérias, muitíssimo sérias.

É uma pena, já que penteadinho e arranjadinho ficaria bem num coro.

As televisões e as rádios também foram ao teatro, oferecerem uns minutos mais de visibilidade ao Princípe. Aproveitou-se e cumpriram a cota de espaço para as manifestações da Arte e da Cultura a que são obrigados, e mesmo que o não fossem faziam-no com gosto.

O senhor foi ver “O Principezinho”. Sorriu algumas vezes, entendeu tudo e divertiu-se bastante. Quer dizer, se foi bastante não se sabe, porque ele tem sempre aquela pose meio tristonha e formal de figura do Estado, mesmo quando está em fato de banho na Manta Rota.

 O espectáculo tem muita cor e luz, está tudo muito bem feito, como é habito do senhor La Feria, que parece que os anos lhe passam ao lado: mantêm o mesmo sorriso genuíno e aberto de criança.

É importante dizer que a peça – se é assim que se diz - conta uma história, não é só cenário. Até há quem diga que a história é mais para os adultos , coisas sérias sobre a vida dos homens, ditas como que a brincar.

O senhor Passos percebeu tudo, convêm insistir neste ponto.
E quando pegou no telemóvel, afinal foi para convidar o senhor Portas para vir assistir um dia destes, quando estiver por cá. O senhor La Feria também lhe oferece um bilhete, e aos seguranças, e na primeiríssima fila, onde se vê e ouve melhor
.
Só ao senhor Silva é que ninguém convida – dizem as más línguas que ele adormece e acorda sobressaltado, a perguntar onde está – por isso é um homem triste.

A cultura faz os efeitos da serotonina no cérebro: cria harmonia, tranquiliza, dá felicidade. A cultura faz muita falta a um homem, se bem que ainda não esteja provado cientificamente.

Quando a filha do senhor Passos for grande, dificilmente quererá sair com o pai à rua: ele só a vai querer levar ao teatro do senhor La Feria, que um pouco mais idoso mas ainda assim com o seu sorriso genuíno e solto, o esperará pacientemente à porta do seu teatro. Ele e o senhor de Sousa – grande declamador – e amigo de ambos.

Mas quando a filha do senhor Passos for grande, ele já não irá ao teatro, ninguém o convida, andará macambúzio como o senhor Silva, meio perdido algures num palacete.


Há verdades que só se veem com os olhos do coração, mas isso é para quem o sente bater!

Sem comentários:

Enviar um comentário

Caro(a) leitor(a), o seu comentário é sempre muito bem-vindo, desde que o faça sem recorrer a insultos e/ou a ameaças. Não diga aos outros o que não gostaria que lhe dissessem. Faça comentários construtivos e merecedores de publicação. E não se esconda atrás do anonimato. Obrigado.

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.