sábado, 14 de fevereiro de 2015

Entre os cupins e os homens





Entre os cupins e os homens


*Cristiane Lisita


Og Francisco Leme, em sua obra Entre os cupins e os homens (1988) escreve que o homem é um ser dual, egoísta, procura incansavelmente seus próprios interesses. E que ser liberal significa poder conduzir sua liberdade, suas escolhas. A iniquidade do altruísmo seria “a violação da própria condição humana, pois nega ao homem a busca de si mesmo”. Ele entende que o individualismo, na sua espontaneidade é “um gerador mais eficaz de sinergia do que o coletivismo”. Enquanto os insetos se desejariam livres, alguns homens estariam na azáfama da utopia, de não ser um fim em si mesmo, mas um ensejo em prol do bem comum.


Mas há um tempo em que é preciso seguir a lição dos cupins: repudiar o exoesqueleto para consentir crescer. Aquelas carapaças pequenas que já não servem, devem ficar pra trás e permitir acelerar a marcha. Os cupins saem de suas tocas na aurora ou ao crepúsculo escapando da ardência e do fulgor solar, para que seus corpos frágeis não se esbraseiem. É simples o exemplo deles.   Não se comprazem nas vaidades: essa elipse heliocêntrica viciosa. Protegem uns aos outros. Erigem a colônia em silencio, lhe são fiéis. E todos processam a colheita.


Os cupins removem a água e o limo das profundezas da terra, num afazer organizado e rápido gerindo o fluxo de gás das câmaras, ventilando o cupinzeiro. As fendas altas sugam a aragem pra baixo, afrescando o lugar.  Os cupins sabem que vivem em sociedade e que sozinhos nada são. Suas finas antenas captam as torrentes de ar e o perigo. Após reproduzirem, voejam pra além, arquitetam novas colônias, perpetuam em paz a sua espécie. E do que lhes foi útil, nada aniquilou.


Há um momento em que, como os cupins, é forçoso repudiar o exoesqueleto para crescer. Aceitar o corpo inventar o movimento, ainda que descontrolado, entre quedas e planuras. E despertar a alma encerrada nas encanecidas dores e angústias, esquecendo todas as sombras que se agigantaram debaixo do sol, quando o peso da carcaça agrilhoava. Como os cupins, é necessário revolver o mais denso, o cerne e entender a brevidade da espinha do tempo sobre o alento da existência.



Cantava Mário de Andrade em versos: “(…) quero viver ao lado de gente humana, muito humana: que sabe rir dos tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade. Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade. O essencial faz a vida valer a pena. E para mim, basta o essencial”.






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