quinta-feira, 13 de agosto de 2015

AURORA BOREAL

AURORA BOREAL
Tenho quarenta janelas
Nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
Posso ver através delas
O mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
Por outra a luz do luar,
Por outra a luz das estrelas
Que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
Como um vapor de algodão,
Por aquela a luz dos homens,
Pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
Pela menor a certeza,
Pela da frente a beleza
Que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
De quatro lados iguais,
Quatro arestas, quatro vértices,
Quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
Que as vigias são redondas,
E o sonho afaga e embala
À semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
Por aquela entra a saudade,
E o desejo, e a humildade,
E o silêncio, e a surpresa,
E o amor dos homens, e o tédio,
E o medo, e a melancolia,
E essa fome sem remédio
A que se chama poesia,
E a inocência, e a bondade,
E a dor própria, e a dor alheia,
E a paixão que se incendeia,
E a viuvez, e a piedade,
E o grande pássaro branco,
E o grande pássaro negro
Que se olham oblíquamente,
Arrepiados de medo,
Todos os risos e choros,
Todas as fomes e sedes,
Tudo alonga a sua sombra
Nas minhas quatro paredes.

Oh! Janelas do meu quarto,
Quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
Falta-me a luz e o ar.
Nota – Poema de António Gedeão - Teatro do Mundo – transcrito por

Amândio G. Martins


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