segunda-feira, 14 de setembro de 2015

A Democracia é um longo e penoso caminho




Visitei a Eslováquia em 1998. A república Checa tinha há pouco tempo “corrido” com este pequeno ainda não país, porque era a parte pobre que os checos não queriam para si. Viviam os seus primeiros anos no “admirável mundo novo” da democracia, ainda a medo, macambúzios, acossados pelos fantasmas do passado.
A imagem mais forte que guardo desses dias - quase uma semana - é do cinzento plúmbeo das paisagens dessa tentativa de país. A escuridão era feita das sombras, das casas, das árvores, das pessoas, todo esse mundo a esgravatar a medos procurando luz e uma esperança nova.
Angustiado pela asfixia de um tempo morto e pesado, escapei-me para passar um dia em Viena. Fui de autocarro, acho que era o único meridional presente e mesmo assim, quando chegados à fronteira austríaca, a polícia pôs toda a gente cá fora, revistou o autocarro, apalpou os eslovacos, ficou-lhes com os documentos para busca minuciosa de informação, e a mim, depois de olharem para o meu passaporte que lhes mostrei na minha mão – sem ter saído da minha mão – deixaram-me altivamente passar.
Ao fim do dia, no regresso, os guardas de fronteira eslovacos, só me revistaram a mim.
Não fiquei com saudades de voltar a este país, apesar de ter assistido a uma ópera no seu teatro que me arrebatou: o edifício e a qualidade dos artistas. Todavia quando saí no fim da récita, o negrume abafou a minha euforia.
Agora, quase vinte anos depois, a Eslováquia é membro de pleno direito da União europeia e decidiu fechar as portas das suas fronteiras. Como já é um país com uma democracia estabelecida, madura, consolidada, não aceita no seu seio mendigos esfarrapados e fedorentos, atitude consonante até à exaustão com o ideal da declaração dos direitos do homem.
Com isto não me queixo nem critico o povo eslovaco, consigo ainda distinguir os cidadãos das pessoas que as governam, e infelizmente nem sempre – ou quase nunca – estes estão ao nível dos primeiros.

Só tenho pena que um país que ainda não conseguiu varrer a escuridão dos seus dias de sol encoberto, não tenha  aprendido a soprar em uníssono para afastar as nuvens e fazer clarear a luz.

3 comentários:

  1. Essencialmente é um texto muito bem escrito. Parabéns.

    ResponderEliminar
  2. Obrigado Afonso Cabral. Os meus cumprimentos.

    ResponderEliminar
  3. É um bom comentário, com a profundidade de análise social, a que o Luís nos acostumou. O "Público" seleccionou-o para o inserir hoje (18.09.15) na respectiva secção. Mais uma vez, parabéns!

    ResponderEliminar

Caro(a) leitor(a), o seu comentário é sempre muito bem-vindo, desde que o faça sem recorrer a insultos e/ou a ameaças. Não diga aos outros o que não gostaria que lhe dissessem. Faça comentários construtivos e merecedores de publicação. E não se esconda atrás do anonimato. Obrigado.

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.