sábado, 19 de setembro de 2015

DE COMO SABER SER NOBRE

                                   A VERDADEIRA NOBREZA
O ser filho de um homem ilustre não é o mesmo que ser ilustre. Poderá o abuso introduzir que tenha, entre o povo, a mesma estimação do pai; mas, assim como este costume não faz que ele tenha em si mesmo excelentes virtudes, assim também não faz que seja verdadeiramente nobre. Consiste, pois, toda a nobreza deste homem em se dizer que é filho de um homem nobre, e que se trata com mais fausto que os outros.
 Haverá outros que tenham tanto e mais dinheiro; mas, porque não estão naquela opinião, não são nobres.  O que, examinando bem, quer dizer que a dita nobreza é uma pura opinião do povo. Dispa V.P. dos seus vestidos este Grande, separe as carruagens e criados, e não poderá distingui-lo do homem mais ordinário do povo. Onde, sem fausto, tem perdido toda a nobreza. E se, neste estado, o transfere a outro país distante, não só não é nobre, mas é positivamente vil.
Mas não o entendem assim muitos Grandes; pois estão tão persuadidos que a excelência é propriedade da sua natureza, que, com esta opinião, colocam-se na primeira esfera dos nobres; na segunda, põem os que tem cargos; na terceira, os que são insignes pela virtude. Mas tudo é pelo contrário. Os homens insignes é que são os verdadeiros nobres.
Se o nobre soubesse que coisa é Virtude e como se adquire, conheceria que o nascimento não tem influxo algum nela. Se um moço não tem talento para intender bem, docilidade para receber os documentos, e boa educação, seja quem quer que for, raríssima vez obrará bem; visto que ainda muitos, que a tiveram, obraram muito mal, porque neles a malícia desfazia quanto produzia a educação.
 Caio Calígula, Imperador, era de uma casa ilustríssima; tinha sido bem educado; dera na mocidade indícios de boa índole; contudo, saíu um tirano. Nero era de outra família ilustre. Quem teve melhor educação que ele? Um filósofo tão grande como Séneca instruiu-o desde rapaz. Deu ao princípio mostras de virtude, e não houve coisa mais bela que o primeiro quinquénio do seu governo; mas, pouco depois, foi Nero. Que Imperador Romano houve que tivesse as virtudes de Marco Aurélio? Quem instruiu melhor seu filho Cómodo? E que filho saíu mais dessemelhante do pai? Não cito mais exemplos, sendo que, para os ignorantes, ou bastam estes, ou são supérfluos.
Os inteligentes sabem mui bem que o sangue do pai poderá comunicar ao filho alguma enfermidade hereditária, mas de nenhum modo lhe comunica nem vícios nem virtudes. Estes homens confundem as coisas e os termos. Quando se diz que um homem procede como quem é, etç., quer dizer que, conhecendo que é filho ou descendente de um homem ilustre pelas suas acções e virtudes, tem obrigação de imitar os seus antepassados e exceder os inferiores tanto nas acções quanto os excede no tratamento.
NOTA – Texto compilado da obra de Luís António Verney – Verdadeiro Método de Estudar(Carta XI) – Transcrito por Amândio G. Martins.




Sem comentários:

Enviar um comentário

Caro(a) leitor(a), o seu comentário é sempre muito bem-vindo, desde que o faça sem recorrer a insultos e/ou a ameaças. Não diga aos outros o que não gostaria que lhe dissessem. Faça comentários construtivos e merecedores de publicação. E não se esconda atrás do anonimato. Obrigado.

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.