segunda-feira, 14 de setembro de 2015

MACAMBÚZIOS

                       A TRISTEZA DOS PORTUGUESES  

De acordo com um estudo recente, os portugueses são o segundo povo mais triste da Europa. E parece que, também, dos mais conformistas e arrebanháveis. Não ousam e cumprem ordens. Estas conclusões não me surpreendem, basta olhar em volta: constituímos uma procissão de defuntos mentalmente pelintras e tragicamente convencidos das virtudes do nosso “bom comportamento” – dos nossos caricatos “brandos costumes”, que, no fim e ao cabo, talvez signifiquem, apenas, astenia, tibieza, servilismo. É assim que, desde há muito, nos vemos, a nós próprios, e nos regalamos com centenas de páginas do Eça. É assim que nos julga, agora, um estudo com chancela científica. Somos um caso perdido ou – como nos “promovia” Unamuno – um povo de suicídas inconscientes?
As raízes tocam fundo. Verney e Ribeiro Sanches já o deploravam, há duzentos anos. Sá de Miranda, há quatrocentos. António Nobre exclamava: “Que desgraça nascer em Portugal!” E Sá Carneiro suicidava-se, em Paris, aos vinte e seis anos, desvairado com a perspectiva de ter de regressar. Fernando Pessoa, creio que viveu sempre dentro de uma garrafa de “Macieira cinco estrelas”para esquecer as de Lisboa. Camilo estoirava os miolos, exilado em Ceide. Um panorama melancólico e pouco animador, que alimentou as tais páginas de cáustica ironia queirosiana e o brutal sarcasmo camiliano. O reflexo de um mundo bota-de-elástico, estreito, de um eterno “Portugal dos pequeninos”, de gente pacóvia, de gente de “nem de mais, nem de menos”, encolhida, privada de ousadia. De gente de sonhos medianos ou que só sonha ser comandada.
As raizes, fundas, têm um passado próximo: os quarenta e oito anos de Salazarismo – considerados os quatro marcelistas uma aderência podre – de um governo absoluto de um medíocre por excelência. Amestrados, há muito propensos ao amestramento, aguentamos quase meio século. Não se refiram as tendências sanguinárias de outros povos, porque se referem lugares comuns aldrabões; basta consultar Oliveira Martins e tomar conhecimento das atrocidades cometidas durante a guerra civil, que opôs liberais e miguelistas.
Li, há uns dias, uma excelente reportagem de Patrícia Reis, no Expresso, em que se fala de aventuras galantes de militares portugueses, na ex-Jugoslávia. O que me impressionou não foram as façanhas,aliás pacatas, dos “latin lovers” tipo lusitano; impressionaram-me as reacções das jovens eslavas que, uma vez entre nós, se repelem e sonham com voltar à terra. Será que isto nunca há-de mudar?

NOTA – Este texto é de Manuel Poppe e foi publicado há anos no Jornal de Notícias.
Transcrito por Amândio G. Martins



2 comentários:

  1. " Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice."
    Guerra Junqueiro, in "Pátria", há 119 anos
    Mudámos alguma coisa?

    ResponderEliminar
  2. Mudou tudo à nossa volta mas, o que mudámos, foi no "Maria-vai-com-as-outras da imbecilidade...

    ResponderEliminar

Caro(a) leitor(a), o seu comentário é sempre muito bem-vindo, desde que o faça sem recorrer a insultos e/ou a ameaças. Não diga aos outros o que não gostaria que lhe dissessem. Faça comentários construtivos e merecedores de publicação. E não se esconda atrás do anonimato. Obrigado.

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.