segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Em jejum no trem e na Escola

A hora é de partida que o trabalho não espera. Não há tempo a perder e também não há bucha para afagar o estômago que nos faça perder o comboio. Na despensa nem uma bolacha ou uma peça de fruta, coisa que se coma pelo caminho e evite este estado de jejum enfraquecedor. Mas o salário é curto, e não dá para repor coisa que se possa trincar, nem sobrou migalha da véspera que desse algum alento pela manhã seguinte, antes de apanhar o trem. A família corre já meia desfalecida para o apeadeiro, e o filho para a escola. Todos com ar amarelo, sinal de tomar apenas cuidado. O sindicalista diz que é por causa de não haver dinheiro. Algum, pouco, sempre há de haver, mas irá ser preciso mais à frente, na mudança de transporte que garanta a continuidade até ao emprego. Toda a poupança é uma dívida que marca o conforto e azeda a vida. A Fertagus também concorda de que tais desmaios se devem à fome dos seus clientes, passageiros que enchem pelas manhãs as carruagens. De gente com cara de poucos amigos e de poucas falas. O desânimo percorre as veias de novos e velhos, que se sentam lado a lado de estômago a rugir por falta de "combustível". Um dia os comboios, pararão por mais do que esta razão, que obriga a assistência médica e transtorna outros passageiros. Noutro dia os comboios e as escolas, irão imobilizar-se, porque até o cobrador, ou o pica, na linguagem dos utentes, e os professores,  descarrilarão por falta de pão, mal a lanterna reluza ou a bandeira caia no cais, ou a campainha dê o sinal para o início da fraqueza num espaço que se queria fosse de aprendizagem e de recreio. Que quadro negro, a merecer destaque e reflexão profunda!

*(publicado hoje 20-10-206 no "PÚBLICO")

1 comentário:

  1. De facto, parece que não estamos neste século. A escuridão é tanta que não se encontra um pedaço de pão para manter alguém sem cair desmaiado no chão.

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