domingo, 30 de outubro de 2016

Forjando a espada


*Cristiane Lisita

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Diz-se que a espada é a alma do samurai e igualmente a sabedoria de sua existência. Revela um alargamento de todos os seus sentidos corporais e, ainda, mentais. Forjá-la demanda tempo e técnica. Uma porção de aço é submetida ao ardor do fogo até se tornar maleável, possibilitando moldar o artefato a fim de obter a forma desejável da lâmina. Posteriormente, um choque térmico na água irá determinar a sua elasticidade e a sua rijeza. Quanto mais inflexível mais fácil de estilhaçar. Depois é afiada e usada com honra e integridade.


Assim como a katana, para os resistentes guerreiros, a ética e a moral devem ser fundamentadas pela razão, pelo conhecimento e amoldar-se no tempo tendo em conta princípios de justiça e de solidariedade.  No entanto, um dos maiores problemas referente a essa questão, hoje, diz respeito ao preconceito que se constitui em um arcabouço de concepções errôneas, absorvidas passivamente, sem análise racional, sem qualquer explicação lógica. Execram as minorias, seja por raça, cor, sexo, idade. Execram os que são contrários a um poder dominante erigido, socioeconômico ou político.

Os homens contemporâneos semelham ter forjado a espada com descomedimento de aspereza, colocando-a em vias de fragmentar. Não se aceita as diferenças. Não se acolhe os desiguais. Desta feita, esse gládio jamais será a extensão de um indivíduo em equilíbrio, cunhado à imagem e à semelhança de seu Criador. No poema Guerreiro, Augusto Branco denunciara: “Olhai o mundo de injustiças e sofrimento ao redor. Talvez você já nem consiga fazer isso, ante a própria dor que sente. (...) É preciso prostrar-se como um guerreiro em todas as situações, mas principalmente contra a falta de Amor, contra a Indiferença, a Ambição e a Deslealdade de muitos”.

Tão somente o verdadeiro amor será capaz de combater o caos em que nos achamos. Revela-se ele a única, e inextinguível, artilheira urdida, arduamente, com os elementos substanciais para conquistar a paz e combater o inimigo, que, às vezes, está em nós mesmos. Sobreporia o poeta: “é preciso ir à Guerra ciente de que não é apenas a espada, a armadura, o escudo e a lança que fazem o guerreiro, mas, sobretudo, a Paixão e o Espírito. (...) Será preciso que muitos guerreiros se unam na difícil tarefa de conseguir oferecer uma rosa para aqueles que lhes ferem o peito”. Desse modo, ainda que tombe o Samurai entre as efêmeras flores da cerejeira, defraudadas por algum vento, a história da katana, eterna, permanecerá.



*Cristiane Lisita (escritora, jornalista, jurista)

3 comentários:

  1. Sábias palavras! Para moldar nossos corações, pensamentos e atitudes, a sutileza de um artigo profundo e delicado, como os temas da atualidade merecem. Reflexão que se propõe contínua. Parabéns!!!

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  2. Que belo documento! Só é pena que fique na paragem do autocarro, que se transformou o nosso blogue, pois o veículo que há-de levar as nossas palavras deixou de circular nesta via, ou quando o faz é lá de tempos a tempos.

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  3. É verdade. Já temos tão poucas hipóteses de publicar. Resta-nos o Face Book mas aquilo também é uma espécie de vazadouro... Quanto ao que nos diz a Cristiane, diz-nos sempre de uma forma tão poética, tão bela. E, coisas importantes. Uma maravilha!

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