terça-feira, 13 de fevereiro de 2018


Heróis do mar...


A pôr alguma ordem nalguns livros que há muito não via, deparei-me com o compêndio de história do antigo 5º ano –  de  Fins do Lago e Maria José Dinis – Porto Editora e, ao folheá-lo, chamou a minha atenção esta nota manuscrita no fim de um texto, que lá deixei quando era “puto”: “Não compreendo como a História glorifica tal gente”!

Li aquilo e fiquei feliz por constatar que, desde miudo, não engolia a patranha da “obra civilizadora”. De facto, chamar tal coisa ao que não foi mais que invadir terra alheia para matar, escravizar e roubar, sempre me pareceu um monumental embuste: E a verdade é que tiramos àqueles povos tudo em troca do que tínhamos de pior...

O texto, de Eduardo Noronha, refere-se à prisão de Gungunhana e é  o que segue:
“O porte do Gungunhana era altivo e duma arrogância formidável. Foi com o mais formidável e dominador orgulho que fitou quem o rodeava.
-És tu o Gungunhana? – interrogou Mouzinho.
-Sim, sou eu, o neto de Manicusse, filho de Muzila, Gungunhana, senhor das terras de Gaza. Quem te autorizou a vires até aqui à mão armada?
-O meu e teu rei, a quem tu desobedeceste. Estás preso à ordem dele.
-Ninguém prende o régulo vátua nos seus domínios.
-Entrega-te à prisão, sem resistência, ou te mando fuzilar neste mesmo instante.
O Gungunhana relanceou a vista em redor de si, esperando que alguns dos seus vingasse tão terrível afronta. Nem um braço se levantou para o defender.
-Olá – determinou Mouzinho – dois homens que lhe amarrem as mãos atrás das costas.
-Apresentaram-se dois soldados brancos. Mouzinho afastou-os com um gesto e acentuou.
-Não; brancos não; dois negros.
 O régulo ficou num instante com os braços ligados sobre os rins.
-Agora senta-te – ordenou Mouzinho para o Gungunhana.
-Onde?
-Aí – e o governador indicava o chão.
-Está sujo – redarguiu com desassombrado orgulho o prisioneiro.
-Sentar-te-ás à força.
E a um aceno os dois negros que lhe tinham atado as mãos obrigaram-no a sentar-se no solo”.


E os valentões dos ditos “descobrimentos” acabaram por trazer à força aquele rei africano para Lisboa, condenaram-no a prisão perpétua e deportaram-no para Angra do Heroísmo, onde morreu anos depois...


Amândio G. Martins

5 comentários:

  1. O seu texto é muito interessante porque vem um bom bocado a "contra-vapor" dos tempos de hoje em que os nacionalismos tomam o seu entender como inapelavelmente ético e lógico. Mas a História mostra bem que esta se fez de muita iniquidade, mas, acima de tudo, de muita mudança. E o mundo continua a girar...

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  2. O seu comentário lembrou-me a filosofia de um "velhote" que em tempos foi meu vizinho, a quem eu "emprestadava" o jornal ao fim do dia. Dizia ele: "Sabe, senhor Martins, o mundo é uma bola que rebola; e a cada volta que dá, altera a "facia" das coisas..

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    1. Ou então "... o mundo pula e avança, como bola colorida entre as mãos de uma criança". Filosofia de que gosto um bocadinho mais embora... seja a mesma.

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  3. E já agora confesso, que o meu avô paterno esteve integrado nas forças que detiveram Gungunhana.

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